O êxodo brasileiro: quem está deixando o Brasil para trás
Brasileiros que saem do país procuram, principalmente, maior segurança e melhores oportunidades de emprego
Maurício Brum, especial para a Gazeta do Povo
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A crise econômica, a violência, a falta de perspectivas: questionados sobre as razões que os levaram a sair do país, os brasileiros que emigraram nos últimos anos costumam elencar uma série de incômodos que fazem outros tantos pensarem em tomar o mesmo caminho. Embora não existam números consolidados do êxodo brasileiro, um bom indício são as declarações de saída definitiva do país computadas pela Receita Federal: desde 2013, quando o número bateu em 9,8 mil pessoas, o número mais que dobrou, chegando a mais de 21,2 mil saídas no ano passado. Segundo estimativa da ONU, hoje o Brasil só fica atrás da Colômbia em termos de migrantes extrarregionais – cerca de 1,3 milhão de brasileiros hoje reside fora da América do Sul.
A saída de brasileiros, muitas vezes planejando uma imigração irregular, fez com que o país passasse a ocupar o segundo lugar entre os mais barrados em aeroportos da Europa – hoje, ficamos atrás apenas dos albaneses. Só em Portugal, país onde o Brasil compõe a maior comunidade estrangeira, o número de barrados quase triplicou entre 2014 e 2016. Determinar quem são esses emigrantes nem sempre é simples. Um levantamento da JBJ Partners, consultoria especializada em expatriação, tentou montar um perfil levando em conta apenas as saídas para os Estados Unidos: nos últimos anos, o êxodo de profissionais qualificados se intensificou – cerca de 94% possuíam, no mínimo, um curso superior completo. Os brasileiros ouvidos no estudo apontavam a insegurança, a instabilidade política e econômica e a baixa qualidade de vida entre as principais razões que os levaram a tomar essa decisão.
Jovens buscando maior qualificação profissional e oportunidades, famílias que se desfizeram de suas posses para possibilitar um futuro melhor aos filhos, e até mesmo quem saiu sem um plano definido, tentando a sorte no exterior: a Gazeta do Povo ouviu relatos de brasileiros que, em meio à crise, deixaram o país com diferentes projetos nos últimos anos – em comum, o fato de que levavam vidas de classe média e classe média alta aqui no Brasil, e que nenhum pretende voltar tão cedo.
Manteve a carreira em Portugal
Para a designer Juliana Vidigal e o marido, que trocaram o Brasil por Portugal junto com o filho de 10 anos, cada passo da decisão foi tomado pensando a qualidade de vida da família. “Meu marido tem cidadania italiana e algum tempo atrás já tínhamos cogitado sair, pois sempre foi um desejo ter essa experiência. O que nos fez tomar a decisão agora foi o momento que o Brasil atravessa e a falta de perspectiva de melhora a curto e médio prazo”, explica.
Juliana e a família optaram por Portugal pensando na facilidade de adaptação à cultura, no clima menos frio que nos países do norte europeu, e no custo de vida relativamente menor que o encontrado em outros países da União Europeia. “Viemos com a intenção de ficar mesmo, sem retorno. Vendemos tudo o que tínhamos e optamos por uma vida mais frugal aqui”. Além disso, ressalta, “existe agora um clima de otimismo e crescimento após o país ter saído da grande crise econômica, apesar dos níveis ainda altos de desemprego”.
Abandonar a carreira, caminho que muitos brasileiros acabam seguindo ao decidir recomeçar do zero em outro lugar, não foi uma necessidade: “nós somos freelancers e trabalhamos com design gráfico, o que nos possibilita trabalhar remotamente e continuar os projetos no Brasil”. Os dois já haviam feito uma mudança semelhante dentro do país mesmo, ao sair de São Paulo para Porto Alegre, última parada antes da saída do Brasil: “para os nossos clientes, nada mudou”.
Largou a faculdade para ir aos EUA
Morar nos Estados Unidos era um sonho antigo para Brenda Nadal, que no Brasil estudava Comércio Internacional e trabalhava em uma empresa do ramo. Um ano e meio atrás, aos 23 anos, decidiu largar a faculdade e realizar seu novo projeto de vida: inscreveu-se no programa de intercâmbio au pair, em que jovens podem trabalhar como babás em troca de moradia, comida e uma remuneração modesta, e se estabeleceu em Mountain View, na Califórnia.
O caso de Brenda é um de quem saiu do país sem um projeto de permanecer no exterior, com data para voltar. Originalmente, a ideia era fugir da rotina monótona que levava no Brasil, aprimorar o inglês e ter experiências diferentes, que permitissem enriquecer o currículo na volta para casa – mas o contraste na qualidade de vida entre os dois países fez com que passasse a tentar se estabelecer definitivamente no novo país.
“Aqui, tudo é mais organizado. As pessoas respeitam as leis, a educação salta aos olhos, o ‘jeitinho brasileiro’ não existe”, relata. Por não ter despesas fixas graças à moradia garantida pelo programa, o dinheiro recebido acabou se convertendo em um “bom salário” para iniciar a nova vida. As possibilidades abertas surpreenderam: “mesmo o salário de profissões humildes permite sobreviver bem”, argumenta.
A saudade de casa é o maior obstáculo para quem inicialmente pensava em regressar, mas hoje a jovem está convencida a não retornar para o Brasil: “quero continuar aqui e trabalhar conforme novas oportunidades forem aparecendo”, planeja.
Foi em busca de qualificação na Europa
Doutoranda em Ciências da Computação e Matemática Computacional pela USP, Giovana Gelatti é um exemplo dos brasileiros altamente qualificados que estão deixando o país em um período de agudo corte de verbas para a pesquisa científica. Quando saiu do Brasil, em setembro de 2016, seu objetivo inicial era passar um ano na Universidade do Porto aprofundando sua especialização na área. Na hora de voltar, porém, seu orientador em Portugal propôs a permanência na Europa – uma decisão apoiada, inclusive, pelo professor que a orientava aqui no Brasil.
“No momento de fazer a escolha se continuava ou não, tive que fazer a comparação da minha vida aqui e como ela era no Brasil”, admite Giovana. “No Brasil tenho muitos amigos, a hospitalidade e a alegria brasileira são coisas que só existem aí. Mas, em Portugal, as condições e a qualidade de vida são melhores. Acredito que o que me levou a ficar mais tempo e pensar na possibilidade de seguir aqui definitivamente é a segurança: poder andar na rua sem medo, sozinha, a qualquer hora do dia”.
Um ambiente mais propício para a profissão que deseja seguir também contribuiu para a escolha. Hoje, Giovana planeja seguir na Europa após concluir o doutorado e ser contratada como investigadora no centro em que realiza suas pesquisas – sua tese trata da detecção de anomalias em conjuntos de dados médicos. “Existem muitos problemas aqui: um sistema de saúde estilo SUS, burocracias intermináveis, o preconceito contra brasileiros. Mas lidar com tudo isso faz parte de sair de casa e da zona de conforto”, define.
A família que recomeçou no Canadá
Thiago Marimon passou a levar adiante o projeto de deixar o Brasil após a esposa Jeruza ficar grávida, em 2015. “Decidimos que era hora de sair do país, principalmente pela segurança, e também por querer dar oportunidades e vivências para o nosso filho que não tivemos quando crianças”, conta. A família, gaúcha, cogitou desde o vizinho Uruguai até a distante Austrália, pensando também em destinos populares entre brasileiros na Europa, como Irlanda e Portugal. Após ouvir relatos de amigos que moravam em Vancouver, porém, o casal acabou optando pelo Canadá.
“Intensificamos as pesquisas, li muito material e acho que assisti a todos os vídeos existentes no youtube sobre o assunto. Percebemos que uma maneira que vem sendo adotada por muita gente que chega ao Canadá é estudar”, diz Thiago. “Estudando você tem visto de estudos durante a duração do curso e depois um ‘work permit’ pela mesma duração do curso, até um máximo de três anos, explica”. Para garantir as oportunidades, foi preciso um recomeço: ele decidiu fazer um curso equivalente ao de tecnólogo em engenharia civil, área que já atuava no Brasil. A esposa, arquiteta especializada em segurança do trabalho, encontrou emprego em uma indústria local – a lei canadense permite que o cônjuge do estudante tenha emprego em tempo integral.
A adaptação do filho, Pedro, foi difícil no início, sobretudo pela barreira do idioma. Pouco a pouco, porém, a situação foi mudando. “Ele tem substituído no seu vocabulário diário algumas palavras. Não fala mais, por exemplo, ‘pare’ e ‘desculpe’. Agora é só ‘stop’ e ‘sorry’. Ele fala muito ‘sorry’, vai ser um bom canadense”, brinca Thiago, fazendo menção à fama dos canadenses de serem bem-educados. “Aqui, um trabalhador ganhando o mínimo, em um emprego de início de carreira, paga as contas de uma família de três pessoas. Sem luxos, mas sem passar trabalho. É o que ocorre conosco”, afirma Thiago, que hoje vive em London, cidade da província de Ontário localizada a cerca de uma hora e meia de carro de Toronto. A opção por uma cidade menor também visava a baratear o custo de vida.
Logo no primeiro mês, a família foi recebida por um frio de 22 graus negativos. “Mas o clima, ao contrário do senso comum, é o que menos me incomoda”, esclarece Thiago. “Pesa bastante a falta da família e amigos, da comida e de outras relações afetivas”. Apesar disso, porém, a única dúvida que hoje persiste não é sobre o retorno, mas o próximo destino – uma vez obtido o diploma com validade internacional, outras opções de países podem voltar à mesa. “A segurança e a tranquilidade que a vida aqui nos proporciona, o Brasil, infelizmente, nunca vai nos dar”.