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Número de brasileiros morando no exterior nunca foi tão grande como agora




Segundo o Itamaraty, número de brasileiros no exterior cresceu 35% entre 2010-2020, passando de 3,1 milhões para 4,2 milhões


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Por Assis Moreira — De Genebra - Valor Econômico


O número de brasileiros morando no exterior nunca foi tão grande como agora. Cresceu 35% entre 2010-2020, passando de 3,1 milhões (exatos 3.122.813) para 4,2 milhões (4.215.800), segundo o mais recente levantamento do Itamaraty. Mas a quantidade de brasileiros em diferentes regiões do mundo pode ser mais do dobro do que aparece nas estimativas oficiais, conforme pesquisadores.

Somente entre 2018 e 2020, a comunidade brasileira no exterior teve oficialmente aumento de 625 mil pessoas, quantidade maior que a população de cidades como Niterói, Caxias do Sul ou Joinville. As partidas continuaram apesar das restrições nas fronteiras causadas pela pandemia de covid-19. E, diferentemente de fluxos migratórios do passado, os que estão partindo agora levam a família, num sinal de que vão para não voltar.


Brasileiros correm cada vez mais risco para sair do Brasil e buscar residência nos Estados Unidos, por exemplo. Apenas entre janeiro e julho deste ano, o serviço americano de Alfândega e Proteção de Fronteiras barrou ou deportou 37.421 brasileiros tentando entrar ilegalmente no país, numa alta de 938% em relação aos 3.603 no mesmo período do ano passado e um recorde histórico. Tem tanto brasileiro tomando o rumo dos EUA que o congressista Jody Hice, do Partido Republicano (Geórgia), tuitou no começo de maio: “Cada semana entre 1.200 e 1.500 brasileiros estão voando para Tijuana (fronteira entre México e EUA)... mas não é apenas para turismo”. Mesmo quando são barrados e mandados de volta ao país, ao descer do avião o passo seguinte de parte deles é tentar sair de novo para o exterior, diz a professora Sueli Siqueira, da Universidade Vale do Rio Doce, em Governador Valadares, a terra onde se iniciou a emigração brasileira para os EUA. “Tem família que vende tudo, paga cerca de US$ 12 mil para o agenciador para tentar passar a fronteira”, relata.

Essa situação se explica em uma palavra: desesperança. “O emigrante brasileiro está descrente do Brasil, com a sensação de que o país não vai dar certo e que ele não tem perspectiva de melhorar de vida”, diz o professor Eduardo Picanço Cruz, da Universidade Federal Fluminense, que fez pesquisas com expatriados na Austrália, Canadá, França, Portugal, Suíça e Estônia. “A questão crucial de nossa diáspora tem a ver com causa repulsiva da origem, mais que com causa atrativa do lugar para ir.”


“Quem sai do Brasil com a família é um sinal de que não tem intenção de voltar, ou seja, não vai apenas fazer um pé-de-meia como antes”, afirma Maxine Margolis, professora emérita de antropologia na Universidade da Flórida e pioneira no estudo sobre brasileiros nos EUA. Ela publicou “Little Brazil” em 1994, sobre a comunidade brasileira em Nova York, “A minoria invisível” em 2009 e “Goodbye Brazil” em 2013.


A comunidade brasileira no exterior fez remessas de US$ 30,5 bilhões (R$ 171 bilhões) para o Brasil entre 2010-2020, segundo o Banco Mundial. Em 2020, mesmo com os problemas causados pela pandemia, o volume chegou a US$ 3,6 bilhões, ou 10,9% a mais que no ano anterior. As remessas do exterior bateram recorde no primeiro semestre deste ano, somando US$ 1,9 bilhão. O dinheiro veio sobretudo de expatriados nos EUA (US$ 946 milhões), Reino Unido (US$ 370,4 milhões) e Portugal (US$ 101,3 milhões).


A comunidade brasileira está mais consolidada e numericamente mais robusta nos Estados Unidos, sobretudo nos estados de Massachusetts, Flórida e Nova York, como nota Picanço. Na Europa, os brasileiros têm preferência por Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra, França, Alemanha e Suíça. O Japão acolhe uma forte comunidade brasileira de decasséguis, que já estão há mais de 30 anos estabelecidos no país. E apresentam uma característica de migração circular, retornando de tempos em tempos ora a seu destino e ora à sua origem, conforme Picanço. Austrália e Canadá são destinos favoritos de jovens imigrantes.


O Brasil é um país que sempre recebeu imigrantes. Mas, no começo dos anos 1980, milhares de brasileiros começaram a partir para o exterior.


Nos EUA, o número de brasileiros é oficialmente de 1.775.000, ou 42% do total no exterior. A maior comunidade, de 450 mil, fica na jurisdição do consulado em Nova York. Até a metade dos anos 1980, o boom migratório para os EUA coincidiu com mais dificuldades da economia brasileira. A emigração de pessoas da classe média ganhou volume, tornou-se visível e os estudiosos começaram a estudar o tema. As comunidades brasileiras se estruturam bem nos EUA, com comércio, igrejas, associações, rádio etc.


Esse fluxo de ir e vir continuou, em meio à chamada cultura migratória e à ideia de que o estilo de vida americano é o máximo o que se pode conquistar. Muitos que partem não falam uma palavra de inglês, mas têm conexões, como um parente nos EUA, que possibilitam a ida.


Com a crise imobiliária nos EUA, que provocou a grande crise financeira global de 2009-10, o fluxo de ida diminuiu, mas não secou. E entraram em ação famílias transnacionais. O pai e a mãe, ilegais nos EUA e temerosos de sair e não poder entrar de novo naquele país, passaram a mandar os filhos com passaporte americano vir ao Brasil para visitas a parentes. E isso solidificou o fluxo migratório contínuo. Ao longo dos anos, os brasileiros descobriram mais mecanismos para entrar nos EUA e contornar barreiras na fronteira. Por exemplo, viajando antes duas a três vezes à Europa, sem necessidade de visto. E só depois, com o passaporte carimbado, pedindo o visto americano, com mais chance de sucesso. Uma vez nos EUA, oficialmente para turismo, desaparecem no que a professora Margolis chama de comunidade invisível aos americanos, que “em geral não fazem diferenças entre brasileiro e outros latinos”.


Quando se acirrou a dificuldade para obtenção de visto, outro mecanismo mais usado passou a ser a fronteira sul pelo México. Só que a fronteira mexicana se tornou mais perigosa, com os traficantes tomando conta da rota. Há relatos de estupros, uso de emigrantes como mula para transporte de drogas etc. Nada disso desestimulou os brasileiros, nota a professora Siqueira. As pessoas enfrentam enormes riscos, inclusive levar criança que nem pertence a elas. Pelo sistema “cai-cai”, o migrante sem visto com seus filhos menores de idade não sofre deportação imediata na chegada aos EUA. Em razão de proteção da criança, ele deverá comparecer diante do juiz por ter atravessado a fronteira sem documento. Isso lhe dá tempo para sumir no território americano.


“Não veem problemas em correr riscos. Acham que para eles no Brasil a vida vai piorar e não veem possibilidade de crescer aqui”, relata ela. “Os que estão indo agora, diferentemente dos anos 1980, estão indo para não voltar. Não é mais ir para ganhar dinheiro e depois comprar casa ou montar negócio aqui. Independentemente da formação, muitos vão trabalhar na faxina, no restaurante, limpeza de ponte etc., sem proteção à saúde, vão ser ilegais, ter de dividir a moradia com várias outras pessoas.”


Diferentemente dos anos 1980, em que basicamente a classe média é que partia, hoje o perfil do emigrante brasileiro é mais variado. Também a classe média baixa busca saída para o estrangeiro. Como há também o empresário que vende seus cinco apartamentos e fazenda e tenta investir as economias nos EUA, como relata Siqueira.


Ao mesmo tempo, segundo Rodrigo Costa, CEO da AG Immigration, escritório americano de assessoria para estrangeiros, sediado na Flórida, cada vez mais brasileiros qualificados solicitam o “green card” (residência permanente) com base em suas carreiras de sucesso no Brasil.


Para Costa, as perspectivas de o brasileiro com boa qualificação poder começar uma nova vida nos EUA nunca pareceram tão promissoras quanto agora, entrando pela porta da frente, ou seja, legalmente. Isso em razão da necessidade dos EUA de profissionais qualificados para ocuparem profissões especialmente que exigem conhecimento técnico e experiência, como médicos, engenheiros, profissionais de TI, pilotos de avião.


Na última década, mais de 132 mil brasileiros obtiveram o “green card”, representando 31% a mais que na década anterior. Em 2019, houve recorde de “green cards” aprovados em um mesmo ano para brasileiros, com 19.825 documentos emitidos. Para 2021, a demanda desse documento poderá bater todos os recordes, “considerando o momento que o Brasil vem vivendo com insatisfação econômica, política”.


Até 30 de abril, já haviam sido registrados 3.611 novos pedidos de “green cards” para cidadãos brasileiros, 28% a mais que no mesmo período do ano passado. O custo para tentar obter um “green card” gira em torno de US$ 20 mil, entre honorário de advogado e taxas do governo. Para Costa, trata-se de um investimento. Com o documento que dá os mesmos direitos de um americano, menos votar, a pessoa consegue comprar casa com 5% de entrada do valor total e juro de 2,8% ao ano. E o filho vai poder estudar de graça até o ensino médio.


Outro argumento é o de fugir da violência no Brasil. Numa pesquisa da professora Siqueira com 200 brasileiros nos EUA, 70% diziam viver sob o temor da violência no país, mas a grande maioria reconheceu que nunca foi assaltada, por exemplo.


Boa parte da comunidade brasileira nos EUA é conservadora, acredita Margolis. “Tem tantas igrejas evangélicas em Nova York, New Jersey, Boston, e pode ser que a maioria dos brasileiros sejam evangélicos”, diz. Na última eleição presidencial, em 2018, somente 55 mil brasileiros morando no país votaram - e a maioria apoiou Bolsonaro. Agora um movimento chamado “Vota Brasil 2022” faz levantamento na comunidade em vista da eleição do ano que vem.


De maneira geral, bom número de expatriados repete a exasperação com os políticos no país e consideram que todos eles são corruptos. Alguns falam que saíram do país por causa tanto dos governos de Lula, Dilma Rousseff como também do de Bolsonaro, segundo pesquisadores.


Na Europa, o Itamaraty tinha o registro de 1.300.525 brasileiros, ou 30,8% de toda a comunidade no exterior, no fim de 2020. A discrepância é forte com os dados da Eurostat, o serviço de estatística da União Europeia, que contabiliza apenas 461.246 brasileiros em 2020. A realidade é de quantidade bem superior às cifras somadas do Itamaraty e da Eurostat.


Estimar a população brasileira no exterior é uma das tarefas mais difíceis para os pesquisadores. Os dados oficiais apresentam apenas a quantidade de pessoas com declaração de saída definitiva, transferências de executivos expatriados e cadastros de eleitores nos corpos consulares brasileiros no exterior. Em países como os EUA e Canadá, os imigrantes com situação irregular não aparecem nesses números. Em países europeus e no Japão, em razão de relações de ancestralidade, muitos saem já como cidadãos desses países e também não aparecem nas estatísticas oficiais.


O consulado brasileiro em Zurique utiliza uma regra de três para estimar a comunidade brasileira. Por ela, (a) a linha superior é constituída pelo número de passaportes emitidos por consulados na Suíça relacionado ao número de brasileiros naquele país, que possui registros precisos de residentes estrangeiros e (b) a linha inferior é constituída pelo número de passaportes emitidos na jurisdição do consulado relacionado a “x”. Com base nessa regra de três, a conclusão é de que o número de brasileiros seria quatro vezes superior ao número oficial suíço (além dos registrados como brasileiros, há os registrados como suíços, os registrados como cidadãos de países da UE e ainda os indocumentados). Assim, a cifra real seria de 88 mil, em vez dos 22.096 brasileiros contabilizados pela Secretaria Federal de Migração helvética.


Certo mesmo é que, por qualquer estimativa, o número de brasileiros aumenta na Europa. Conforme o Eurostat, foram registrados 16,8% a mais de brasileiros em 2020 que em 2019 morando em algum país do velho continente.


Também cada vez mais brasileiros obtêm a nacionalidade europeia. Em 2019, foram 23.500, mais de 70% conseguindo a nacionalidade italiana e portuguesa.


A nacionalidade brasileira mantém-se como a principal comunidade estrangeira em Portugal, representando 27,8% do total em 2020. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras diz ter 184 mil brasileiros no país, ou 21% a mais do que em 2019. Mas a estimativa do professor Picanço é de que cerca de 350 mil brasileiros podem estar vivendo nesse país.


Para o professor João Carlos Cerejeira, da Universidade do Minho, isso não surpreende. “Braga [capital do Minho] parece mais cidade brasileira do que portuguesa no fim de tarde”, exemplifica. Em cinco anos, o número de brasileiros na cidade cresceu 238%, atraídos por empregos em áreas como tecnologia da informação ou pesquisa científica.


“Durante a pandemia, quem tinha chegado há pouco tempo ou nas áreas do turismo teve problema de desemprego com fechamento de restaurantes, hotéis”, diz ele. “Mas para os que vieram para TI, pesquisadores em universidades, médicos, enfermeiras, o emprego aumentou.”

O fluxo de brasileiros é agora mais variado em termos de qualificação. E a procura está bastante elevada em todos os casos. A avaliação é de que Portugal continuará oferecendo oportunidades para brasileiros com boa qualificação e também em áreas como construção civil. Há falta de mão de obra nesse país conhecido pelos trabalhadores espalhados pela Europa inteira.


“Os brasileiros são uma oportunidade excelente para Portugal. Perdemos população, a natalidade é negativa [-2%] e é compensada um pouco com a emigração brasileira”, afirma o professor. “Agora Portugal tem boom de construção civil, com investimento público e alta no preço da habitação. Tradicionalmente não havia imigração brasileira nesse setor, mas agora também há.


”Na área de tecnologia da informação, muitos portugueses preferem trabalhar na Alemanha, Suíça ou outros países com salários mais elevados, deixando a vaga que acaba sendo ocupada por brasileiros. “A situação funciona para os dois lados. Para os brasileiros, vir a Portugal pode servir como um trampolim [para outros países].” Um brasileiro jovem na área de TI ganha salário líquido de cerca de €1,1 mil, enquanto um senior recebe €3 mil. Um professor assistente na universidade ganha €2 mil líquidos por mês.


A integração em Portugal se faz de forma mais fácil, mas não sem percalços. Cerejeira alerta que é ilusório achar que o país é igual. “Há diferenças culturais fortes, e quem não entender pode se decepcionar”, diz. “O português é mais fechado. O brasileiro que está em Braga pode mudar rapidamente de cidade, e isso causa choque de entendimento.”


Outra onda crescente é de brasileiros que chegam com capital, abrem negócio ou compram atividade tradicional de portugueses. No ano passado, o Brasil foi o segundo país a mais ter nacionais obtendo autorização de residência para atividade de investimentos em Portugal, com 126 comparado a 296 chineses.


A característica de empreendedorismo é nas comunidades brasileiras em geral em torno do mundo. Pesquisa do professor Picanço mostra que diferentes ondas de imigração aumentaram a demanda de produtos étnicos, como alimentos típicos, e criam mercado.


Na Alemanha, a estimativa de Picanço é de uma comunidade de 256 mil brasileiros. Numa pesquisa no país, o perfil de escolaridade dos que responderam mostra que 51,2% têm no mínimo graduação completa, 34,9% pós-graduação e cerca da metade nem pensa em voltar a morar no Brasil. Na França, os respondentes tinham no mínimo graduação completa (76,2% da amostra), e uma considerável parte deles era detentora de certificado de pós-graduação (30,9%).


“Estamos perdendo um contingente muito alto de pessoas qualificadas”, diz Picanço, que vê muito difícil uma diminuição do “goodbye Brasil”.

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